segunda-feira, 24 de maio de 2010

Alma


Foto- João Ferraz

Alma

(Um coração árido)


Célia Pires


Não sabia definir porque se sentia tão sozinho, com um aperto no peito 'espremendo' o coração doente pela solidão. Muitas vezes tentou achar a razão, pensou que talvez fosse pela infância, sofrida, sem ninguém para dar-lhe atenção: só chicote da vida açoitando a pele frágil e infantil.
Lembrava-se dos rios que corriam soltos ' convidando' a dar mergulhos e mergulhos e ele na enxada, capinando terra, calejando as mãos, arrancando mato ao mesmo tempo em que ia deixando ficar estéril os terrenos de seu coração.
Não sabia ao certo de onde viera, nem quem eram seus verdadeiros pais, por isso essa sina de viver infeliz.
O Sol a pique, a mata verdejante, as frutas estourando de madura, sumarentas, os passarinhos cantando bonito nas manhãs(não dava para ficar prestando atenção e ouvir) tanta coisa bonita pra se ver, pra se sentir e provar, e ele tinha que trabalhar.
Quantos anos tinha nessa época de menino? Onde trabalhava? Não sabia.Mas hoje já era um homem.
Cresceu como crescem as plantas que se vergam ao vento, mas que se levantam e ficam novamente eretas.
Recordou-se dos maus tratos e rápido apagou as más lembranças. De que adiantaria sofrer pelos anos passados? Segurou as lágrimas. Chorar para quê? Mas a dor ainda lhe espremia o coração.
Sentia um impulso muito forte de sair correndo e como por mágica, transformar-se num outro ser, que não fosse ele próprio. Um ser que tivesse pai, mãe, irmãos, uma porção de gente para se comemorar os aniversários, pra se sentir saudade e até mesmo para se chorar a morte!
Pára de pensar e tenta adivinhar quantos anos tem. Pega um espelho e vê o que na realidade era: alto, a ponto de se sentir um espeto querendo furar o céu, magro, de uma elegância tal que era quase uma aberração para os modos rudes de vida por qual passara que poderia estar vestido com farrapos que a elegância seria a mesma, uns cabelos negros, que o Sol não conseguiu avermelhar, uns olhos de perdição numa cara de menino, de um azul que podiam fazer a gente sonhar.
Mas dava a impressão de possuir uma certa timidez, como se a beleza assim bruta e em demasia o envergonhasse, como se o fizesse esquecer que a beleza de alguma forma também ajuda a cativar.
Larga o espelho. Seu problema era por dentro: se sentia árido, seco.
Mas não queria viver assim pra sempre, queria descobrir coisas muito além do seu pequeno mundo, de sua vida monótona, sempre repetindo a mesma dor, sempre feita só de solidão.
Queria construir para si um nome, um nome bom e agradável de se ouvir.
Precisava urgentemente encontrar uma saída, mudar de vida, aquela angústia o oprimia, quase o dilacerava. Não ia mais conseguir viver assim.
Quem sabe se não começasse a frequentar os bailes do sítio vizinho não arrumava o amor de alguma morena fogosa?
Lembrou-se de que que quando era criança, as pessoas diziam que ver uma estrela cadente dava sorte, era só fazer os pedidos enquanto ela(estrela) caia.
Já começava a anoitecer, pega uma cadeira, põe do lado de fora da casa e começa a fitar a céu..
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