Foto-João Ferraz


Buscando uma saída



Célia Pires



Tenho percebido que estou fora de moda. Completamente ultrapassada e sem nenhuma vontade de alcançar essa tal modernidade que faz com que as pessoas mintam sobre si próprias. Infelizmente, essa minha mania de falar ou escrever o que penso está me tornando cada dia mais apartada das pessoas.Mas as que ficam, mesmo que poucas, são feitas de verdade e é isso que importa.
Dia desses, brinquei com um colega deixando um recado em seu orkut como se eu tivesse ido até a sua casa para tomar um chá e o agradecia por isso. Bem, para resumir, ser chamada de louca foi pouco, além claro de ter o ‘ingênuo’ recadinho devidamente deletado e de ter tido viajado na maionese por escrever coisas que não aconteceram.
Por trás da brincadeira estava o fato de eu querer chamar a atenção de nunca ter sido convidada para a casa do tal colega.Tá bom, vocês vão dizer que a casa é dele e ele convida quem ele quiser. Vocês estão certos. Me equivoquei!
Fui inconseqüente, confesso. Não imaginei que o tal colega, talvez,pudesse ter um compromisso amoroso que seria prejudicado por esse recado tratado como ingênuo por minha pessoa.Errei feio!As pessoas têm outras vidas camufladas em outra vida. Não temos nada com isso.Mas, curiosos queremos saber mais e, muitas vezes, achando que somos considerados amigos de verdade, quebramos a cara e trincamos nossa dignidade.Desnecessariamente.Vergonhosamente.
Quase somos colocados de castigo pela traquinagem.
Fui educada para respeitar as pessoas, em nenhum momento havia passado pela minha mente que o que estava fazendo era errado. Só queria mostrar que quando as pessoas realmente te consideram como amiga te convidam para o aconchego do seu lar, independente da simplicidade ou luxo, pois o que importa é a presença. Me enganei.
Me sentir rejeitada não é coisa da minha cabeça não. É coisa unicamente do meu coração. Se gosta de mim, se sou amiga...
Mas a gente, muitas vezes, é incapaz de mergulhar na profundidade dos sentimentos alheios. Não percebemos, mas queremos, tanto a gente quanto eles, que o mundo gire em torno de nossos umbigos. E dane-se o outro!
Nos esquecemos de que não somos perfeitos e que devemos pelo menos um pouco de consideração uns aos outros. Temos perfeitamente o direito de não tolerarmos isso ou aquilo.Muitas vezes 'gastamos' o verbo e tentamos ser amigos, mas tem gente que faz questão de mostrar que não precisa da gente pra nada. Saem de nossas vidas sem olhar para trás e ficamos com o ‘queixo caido’ tentando entender que tipo de prejuizo poderíamos ter trazido.
Um amigo me disse recentemente que acredita no poder das palavras como a força mais poderosa, pois se alguém te agredir fisicamente a dor será momentanea, mas se alguem te magoar com palavras a dor será eterna!Fiquei pensando nisso!
Mas me perguntei: porque, muitas vezes, as pessoas a quem nos afeiçoamos criam um poder maléfico de nos magoar profundamente e ao mesmo tempo nos deixam felizes com um simples sorriso?Percebi que somos nós que permitimos. Querendo repartir nosso afeto,muitas vezes, além de não termos reciprocidade, colecionamos dores...
Sabe, às vezes, cansa ser evangelista e pregar a boa nova. Dá vontade de mandar tudo às favas, mas ao mesmo tempo não podemos tecer a teia do tempo, da vontade. O mundo não depende de nós para girar e ele anda ultimamente muito complicado.Nem podemos dizer que as pessoas não estão preocupadas com o interior das outras. É uma piada macabra, mas a fila do transplante está cheia se é que me entendem?
Com nossas idéias retrogadas de encontrar alguém para amar verdadeiramente vamos ficando para trás, entregues e abandonados à solidão. Não nascemos com defeito. Até há pouco tempo eramos somente gente normal. Mas, hoje considerados lunáticos,estamos cada vez mais sendo esmagados pelos fast food da vida. Come-se tão rápido que nem se pergunta o nome do lanche! E ninguém se compromete.Pra que né? Ninguém vai envelhecer. Ninguém vai precisar de um companheiro num determinado tempo da vida para repartir as lembranças,reclamar dos achaques, do sol ou da chuva e que fulano está demorando a vir visitar.Repartir as experiências do tempo bom que se viveu, dos obstáculos que conseguiram ultrapassar, das vitórias e de se verem juntos nas fotografias já amarelecidas pelo tempo...
Ninguém quer comprometimento, pois não têm compromisso nem consigo mesmos...ou porque são simplesmente ocos por dentro ou porque carregam o peso eterno de alguma desilusão e, covardes,não se permitem abaixar a guarda,com medo de passar tudo outra vez e vão ciscando aqui e ali. São livres, mas acorrentados nos fantasmas do passado, escravos de si mesmos.Fingem ser felizes.Desconhecem o novo ditado de quem muito escolhe, merda recolhe!
Está difícil buscar uma saída. Ensimesmados, vamos encontrando cada vez mais dificuldades de nos encaixarmos nesse grande quebra-cabeça que é a vida. Imagine nos magoarmos porque um recadinho foi deletado? Uma bobagem à toa não é?.Dá até medo pensar nas verdadeiras razões. Hoje o mundo virtual é um contrasenso. A ilha da fantasia. Um mundo feito de pessoas praticamente perfeitas. Modelos de beleza,de vida perfeita, onde o casebre vira mansão e o anão se transforma num gigante. Mas na verdade a maioria sofre de metamorfose virtual.
Como podem, muitas vezes,tratar as pessos que estão próximas de forma grosseira e chamar de 'meu lindo', 'delícia' ,'baby ', fofo, uma pessoa que nunca viram pessoalmente na vida? É um tal de me engana que eu gosto.Às vezes passam perto de um colega e não cumprimentam, mas nesse tal de orkut se derretem por gente que nem sabem que é. O mundo como diria Renato Russo está mesmo complicado. Ninguém vive durante 24 horas virtualmente.Oxalá que as coisas mudem!
Fico me cobrando certo amadurecimento:porque razão insistimos em fazer certas coisas? Porque cargas d’agua queria entrar naquela casa que não me acrescentaria nada a não ser a satisfação de um seja bem-vinda?
Certa vez alguém me disse que o importante não era a resposta e sim a pergunta. Nesse caso digo, o importante não era simplesmente entrar na casa e sim receber o convite...mesmo que fosse para dizer não.Dizer não!