terça-feira, 22 de junho de 2010
Minha mãe
Foto-João Ferraz
Minha mãe
Célia Pires
Perdi a minha mãe faz mais de 20 anos e não há um só dia em que eu não me lembre dela.
Quando éramos crianças minha mãe, sim minha mãe, já nos preparava para o que chamam hoje de bulling. Ela nos ensinava a não deixar que ninguém nos magoasse e nos ensinou a lutar. Literalmente e na teoria. Quando não entendiam nossos argumentos usávamos o braço.
Você não imagina o quanto aquilo, não digo a violência, pois só a usávamos quando estritamente necessário para nos defender daqueles metidos a maiorais, nos fortaleceu como seres humanos.
O bom também é que ela nos ensinou que um irmão sempre tinha e deveria defender o outro. Então, imagina: erámos em oito. Uma escadinha de irmãos, na idade e no tamanho. Se alguém mexia com um tinha que se ver com os outros sete. Éramos uma laia. De irmãos. Defensores e heróis uns dos outros.Essa união sempre nos fortaleceu.Quando nos momentos mais dificieis, quando achava que ia desabar, lá estava um irmão, uma irmã a postos para ouvir. Ajudar!
Como éramos crianças felizes: minha mãe fazia um pão feito em casa que se a gente jogasse na parede, desabava a casa. Mas era o pão que a mãe tinha feito.Por isso Sagrado!
Quando havia festa na escola, ela nos preparava uns bolinhos doces fritos, simplesmente horríveis, mas ai se algum colega da escola falasse ou reclamasse. Eram os bolinhos feitos por minha mãe e por isso, a despeito de qualquer opinião que não fosse a dos meus irmãos, deliciosos!
Minha mãe não era uma boa cozinheira como eu. Aprendi a cozinhar com minha avó e minha irmã mais velha, mas quem liga para comida quando se tem uma mãe que alimenta com amor seu coração?
Quem se importa com um pudim de leite durinho e com calda caramelada quando se tem palavras doces de carinho de uma mãe extremosa que defendia os filhos com unhas e dentes? Fomos aprendendo que dessa vida o que fica são os momentos que passamos juntos, muitos ao pé de um fogão de lenha onde ela nos mostrava as delícias de uma batata doce assada ou de uma espiga de milho chamuscada na brasa.
Depois de muito e muito tempo fui sentir o verdadeiro sabor de um alimento como uma pimenta frita, um repolho, uma abobrinha, mas acredite nenhum dos alimentos, por melhor que houvesse sido preparado não tinha o sabor do de minha mãe, pois eram temperados como diz a propaganda com o amor.
Nunca depois de sua partida provamos um pudim de pão como o dela ou uma carne de panela. Inigualaveis. Saborosos.De verdade. Os únicos pratos que preparava com maestria, além da polenta que comíamos como se fosse manjar dos deuses.Temos isso arquivado em nossas memórias como verdadeiras relíquias e até hoje comentamos.
Por isso, que dizemos que mãe é mãe. A minha foi uma guerreira que nos ensinou a lutar contra todos os dragões do mundo. Nos ensinou que ninguém vale à pena de um sofrimento, pois nascemos para ser felizes.
Lembro de minha mãe, eu ainda criança, quando morria alguma pessoa carente e sem dinheiro para comprar o caixão no bairro. Ela percorria casa a casa pegando trocados de uns e de outros. Ia nos vizinhos que tinham flores nos jardins e pedia uma flor. Nunca, se dependesse da minha mãe alguém seria enterrado sem um velório digno.
Muito e muito tempo depois que ela foi 'recolhida' ainda encontramos gente que nem sabemos quem é agradecer pelo que ela fez.
Aprendemos com minha mãe que ser mãe não é ser santa, é antes de tudo ser gente e acima de tudo fazer o bem para os seus e depois para os outros. É mostrar como se dança. Ouvir Amada Amante do Roberto Carlos, cantar com a Gal Costa, e nunca deixar de fazer um bolo no aniversário de cada filho, mesmo que este tenha saído solado.Servir a tradicional pizza de sardinha e Ki-Suco saboroso geladinho!
Ah! que delícia quando chegava junho e minha mãe fechava a rua onde moravámos e convidava todos os vizinhos para fazer uma festa junina. Todo mundo tomava quentão, vinho quente, comia pipoca, dançava quadrilha, cantava. Nunca houve uma briga.
Me lembro das quermesses e de minha mãe pedindo prendas para a barraca da igreja. Sempre solidária. Sempre do bem.Mas que ninguém se metesse com a sua familia. Virava uma leoa. Aliás era uma leonina como eu! Nos ensinou a ter vaidade.Com uma porção de filhos, me lembro que ela costumava esmaltar as unhas bem na hora de sairmos. Era hilário! Meu pai tentando por ordem na turma até que as unhas de minha mãe secassem.
E quando titubeávamos com nossos sonhos ela dizia: "estudem, pois o estudo é algo que ninguém tira de vocês".
Nossa, como minha mãe era demais! Quando ia para Aparecida do Norte levava a minha irmã caçula. Lógico. Mas para não provocar ciúme nos demais filhos dizia que era porque ela tinha boa memória e assim não se perderiam no caminho.Mas nem por isso minha irmã deixava de levar uns cascudos nossos.
Minha mãe foi uma mulher única. Não tinha hora e nem lugar para ajudar uma pessoa.Como havia sido enfermeira, aplicava injeção, acudia um aqui, outro ali.
Adorava, junto com algumas vizinhas, jogar no bicho. Aquilo para nós era um encantamento. Como a mãe sabia os números de cada bicho? Havia sido a sogra, minha avó, que tinha ensinado.Imagine, até a sogra gostava dela! A unanimidade é burra?!Quem liga?!
Lembro que ela acendia um palito de fósforo e o apagava dentro de uma xícara de café, a figura em forma de bicho que se formava era o palpite do dia. Como erámos felizes meu Deus! E quando a mãe ganhava, todo mundo ganhava: iamos correndo comprar pão e mortadela. Um luxo na época e ainda podíamos comprar caramelos e pão doce! Ah! minha mãe quanta falta que você ainda faz! Coisas tão simples, mas tão caras, tão valiosas para levarmos em nossas bagagens!
As lembranças alimentam ainda mais a saudade.Lembro da sua surpresa quando meu primo a levou para conhecer o mar. Parecia uma criança que havia acabado de ganhar um brinquedo. Ia molhando os pés aos poucos... Você foi tão cedo mãe.Tinha pouco mais de 40 anos. Mas o tempo em que conviveu com a gente valeu cada dia, cada hora, cada minuto e cada segundo!
Quando quis fazer faculdade tinha que ir para São Paulo. Pintou a indecisão. O medo, o pavor da caipira diante da cidade grande. Mas minha mãe disse: vai filha e se alguma coisa não der certo, lembre-se de que as portas da nossa casa sempre estarão abertas pra você.
Me lembro até hoje do seu aceno na plataforma da rodoviária observando o ônibus sair. Dos seus grandes olhos castanhos, dos seus grandes olhos castanhos...de fingida indiferença, mas aguentando firme!
Mas na vida, como se diz, nada se perde, tudo se transforma e a força que minha mãe tinha se alojou em cada um de seus filhos, em uns mais, em outros menos. Aprendemos a lutar.Por justiça. Sabemos perder e sabemos ganhar, mas acima de tudo sabemos que sem luta nada se consegue e se consegue, logo acaba por essa ou aquela razão,pois que a vida ensina pelo amor ou pelo dor.
Fomos aprendendo com ela que ao longo de nossas existências que ser mãe não é somente parir e sim permanecer viva quando se tem que partir...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Tenho a convicção que a sua maravilhosa mãe onde quer que ela esteja está sempre olhando e iluminando os teus caminhos.
ResponderExcluirQue coração de mãe seria capaz de esquecer a gratidão de uma filha, ou de um filho, sentido por ter perdido tão cedo aquela que deveria envelhecer ao lado de suas crias.
Envelhecer e mostrar como é maravilhosa a vida com ela (mãe)!
Parabéns a sua mãe deve estar muito orgulhosa de voce!!