quarta-feira, 12 de agosto de 2009

A menina de fitas vermelhas


A Menina de fitas vermelhas

Célia Pires

A vida em linha reta, mas sem conduzir a lugar nenhum, a alegria secando, a rapadura acabando. Meu Deus, qual a razão de tamanho castigo? Todos já cansados de "guerra". Vez ou outra chegava algum "rasgo" de jornal trazido pelo vento. Ninguém sabia ler. Só sabia ver. Nenhum lamento. As cicatrizes da dor já haviam se tornado uma segunda pele.
Sabe o que é chamar por Ele e não obter resposta? Sabe o que é ver a pele curtir a cada dia pelo sol escaldante de um sertão sem fronteiras, um "mundão" seco? Sabe o que é ter somente o verde na lembrança, por que aquela camisa da mesma cor já ficou marrom de tão surrada?
Havia ouvido falara da destruição de um tal de meio ambiente. O que seria?
O que sabia e que nem mesmo o cachorro se aguentava nas pernas, mas era fiel àquelas pessoas. Continuava vivo e ladrando para o ar quente e parado, esperando o Juízo Final.
E as estrelas, quando anoitecia, ficavam mais brilhantes e mais bonitas, mas dentro de cada um estava escuro, com exceção de uma pequerrucha magrinha, que tinha uns olhos "gordos" de vontade de viver.
Apesar de tudo a cabecinha pesava-lhe: carregava muitas lembranças na cabeça, principalmente aquele dia em que ganhou uma linda fita vermelha. O coração varado de dor infantil e pouco assistido em carinho e afeto, acalentava aquela fita com todo cuidado, como se fosse algo raro e precioso.
A música do vento e dos pássaro eram os acordes mais bonitos, mas raríssimos. Tudo tão difícil. A terra árida. A seca"fértil" que se multiplicava a cada dia.
Não chovia. Não havia árvores. Nem lágrimas para molhar a secura da tristeza que ficava pairando nos olhos. A angústia invadia de maneira surpreendente e se alastrava pelo corpo e "moía" o coração tão, já, transbordante de desesperança.
Que dor olhar para as pessoas e ver nelas seres cadavéricos, quase espectrais. Que horror ver o seu próprio reflexo em seres assim. Seu espelho!
Só a pequenina e seu sonho vermelho em forma de fita. Só ela ainda sabia tear o fio da esperança.
E quando, se Deus quisesse, a seca fosse embora e o tal de meio ambiente trouxesse a primavera de volta, ela retiraria seu enfeite da gaveta e seria outra menina, ou melhor, seria uma criança feliz. Seria fada no meio de infinitas flores e correria sobre a relva verde e macia. Ela seria única e esqueceria o sabor dos tempos amargos e se embriagaria com o perfume vermelho das rosas que se confundiriam com sua fita. Sim, ela seria única. A menina de fita vermelha, maravilhosamente vermelha.

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