quinta-feira, 4 de março de 2010

Sem tempo

Foto-João Ferraz

Sem Tempo



Célia Pires
Ficaram velhas todas as notícias, pois não tive tempo de lhe escrever.
Desculpe não poder ficar mais, pois não tenho tempo, tenho um compromisso agora. Desculpe não poder lhe dar atenção agora, não tenho tempo. Olha não vai dar para me encontrar com você nem hoje nem amanhã, nem depois de amanhã me liga para ver como é que fica. Ah! Não vai dar para ir ao cinema com você. Puxa, justo hoje que estou tão atarefado? Querida não dá para deixar para depois essa conversa? Preciso de tempo para discutir um assunto tão delicado como esse!
Médico, que médico, tem certeza que eu precisava te acompanhar? Perdão, mas acho que não vai dar! Nossa foi hoje que você marcou? Me desculpe, mas não vai dar para aparecer. Beijo!
Dia desses conversando com um amigo tivemos que interromper o assunto, pois ele não tinha tempo para prosseguir aquela conversa. Tinha compromissos outros. Atentei para esse assunto e percebi que eu mesma há muito tempo não fazia certas coisas por pura falta de tempo.
Um dos meus maiores prazeres é cozinhar, percebi que nem isso vinha fazendo ultimamente. Várias pessoas tendo a oportunidade de se livrar de alguns quilinhos a mais devido a minha falta de tempo! Havia uma época quando ainda éramos crianças em que o tempo custava a passar. Queríamos ser adultos; pressa de ter seios apontando e espetando os vestidinhos e colocávamos enchimento, queríamos usar altos saltos ponta de agulha para nos sentirmos mulheres adultas; meninos queriam barba, pêlos por todo o corpo, que o gogo aparecesse depressa para serem homens rapidamente e olhavam escondidos e temerosos as revistas eróticas(que hoje nas bancas desvendam qualquer mistério). E aguardávamos o Natal, que preguiçosamente demorava a chegar, mas quando chegava, era uma profusão de primos, parentes de toda parte, miscelânea de comidas para todos os gostos e em especial o pernil assando e dourando no forno. E esperávamos ansiosos pelo pudim de leite. E a vida assim ia seguindo a passos que mesmo lentos não conseguíamos alcançar. Hoje o tempo voa amor, escorre pelas mãos, como diz uma música de Lulu Santos. Nem colocamos direito a cabeça no travesseiro e o despertador já anuncia que chegou um novo dia. Mal dá para lermos aquele livro que todo mundo comentou que é legal e parece que só você não leu. A impressão que você tem é que todos já foram àquele barzinho novo, menos você. A vida nos apressa, mas aonde iremos chegar? Vamos deixando os compromissos tomarem conta, não nos desligamos do trabalho, mas ganhamos o que em troca? Hoje em dia reconhecimento é palavra de luxo! De vez em quando é bom dormirmos até mais tarde, nos espreguiçarmos demoradamente, nos olharmos frente a frente no espelho e encararmos nosso próprio olhar e ver se ainda podemos confiar em nós mesmos. Às vezes, mentimos para nós mesmos para salvaguardamos nossas ilusões e projetos. Encontrei uma amiga um dia na praça e ela me disse uma coisa legal”Celinha esse momento em que nós conversamos "foi único”.Ela tinha um compromisso, mas ficou mais um pouquinho conversando comigo. Aprendi com ela que não perdemos tempo, mas ao contrário o ganhamos quando paramos para trocar idéias, falar abobrinhas, jogar conversa fora. Nada nesse mundo é tempo perdido quando no fim de uma conversa saímos satisfeitos e com a certeza de que vale a pena viver. As experiências que trocamos nos fazem perceber que somos alunos e professores ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo...
Não temos tido tempo para perceber o que não estamos fazendo pelo outro. O tempo vai passando e vamos nos esquecendo de cuidar das dores, dos amores, quando acordamos a bengala nos espera! No campo dos sentimentos é preciso plantar carinhos quentes, para não se colher espinhos frios. Dias desses meu vizinho foi assaltado e morto a pauladas. É preciso tempo para digerir uma notícia dessas. Puxa-vida que mundo é este?
Uma amiga minha me disse que como os pais morreram muito cedo, desde sempre cuidou de sua irmã mais nova. Deu-lhe estudo, carinho. Muito tempo da sua vida foi gasto para encaminhar a irmã. Não faz muito tempo essa minha amiga pediu licença do serviço para ficar durante três meses cuidando do filho e da casa dessa irmã para que esta pudesse fazer um curso.
Um dia desses minha amiga pediu a esta irmã que faltasse um dia do serviço para acompanhá-la. Ela não faltou. Não foi acompanhar a minha amiga num compromisso importante que tinha. Ela não está lamentando o tempo gasto, mas sim a falta de consideração, o egoísmo da outra.
Tem gente que é capaz de perder tempo em jogos eletrônicos, mas não é capaz de dar um sorriso ou um bom dia... Somos marionetes de um relógio que comanda nosso dia-a-dia. Se perdemos a hora nos sentimos culpados de um crime. Alto lá! Honre seus compromissos, mas não seja escravo do tempo que malvado nunca volta atrás. Olhe demoradamente à sua volta, sinta, perceba se não há ninguém precisando de um tempinho com você, da sua atenção, do seu carinho, de um email, de uma carta há muito começada e não enviada, de um telefonema que ficou de ser dado, enfim tudo aquilo que por falta de tempo você não fazia. Boicote o tempo. Esse crime compensa. O máximo que pode acontecer é no fim do dia ou da noite você se sentir imensamente satisfeito e inundado por uma extrema felicidade, que com certeza vai durar por muito tempo. E antes que me esqueça, obrigada por achar um tempinho para ler este artigo.

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