sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Da janela lateral


Foto-João Ferraz



Da janela lateral


Célia Pires
Parece que tem um visgo que me prende aqui nesse lugar, uma espécie de areia movediça que me envolve com suas mãos invisiveis e não consigo me libertar, sair dessa janela lateral. Espero, pacientemente, a cada dia surgir o entardecer com seu sol 'morno' e, assim, permanecer olhando lá fora, sim lá da janela lateral, de onde posso vislumbrar uma réstia de luz, com a qual quero fazer o mais belo vestido dourado para te encantar. Te conquistar. Queria que você me fizesse sair dessa penumbra, me curar dessa triste doença chamada solidão.Mas você não passa aqui por perto.
Quero ao sair, vestida de luz, nunca mais ouvir o meu choro abafado, imperceptivel aos que me rodeiam, mas tão alto e ensurdecedor aos meus próprios ouvidos. Quem dera o tempo se congelasse, enquanto eu estivesse espiando lateralmente por essa espécie de cela , impedindo que o sol não se escondesse, e que o céu não fosse tingido de um cinza quase negro,mesmo que eu fosse perder o brilho das incontáveis estrelas, que embora numerosas não me aquecem e nem me fazem companhia.
Ninguém pode entender o que é se alimentar de bocados de calor do sol. Ninguém sabe que esse calor me infla como um balão que visita paisagens longínquas e seca na fonte, lágrimas que se arrebentariam num pranto funebre, sem esperanças.
Ninguém sabe que espiando esse pôr do sol através de uma simples janela esqueço por um infimo momento a dor de ser ímpar. Nesse esperado e mágico entardecer tudo é pra mim: plantas, flores, caminho, o vento macio que me chega como um carinho quase humano, me afagando como uma mão afavel. Até mesmo as paredes toscas são minhas e me fazem compreender que faço parte desse barro com o qual foi construída e quase destruída!
Percebo que se alguém pudesse ler esses meus pensamentos me rotulariam de louca. Mas é porque não sabem que a minha dor vai além da compreensão de qualquer um. Ela está mergulhada num rio escuro e profundo, onde todas as noites são sem luar e que meu coração só consegue um pouco de alento quando posso olhar o sol através da janela lateral, da janela lateral....

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